Foto: Lucas Braga
Experimentamos, atualmente, um verdadeiro fetichismo da “cultura popular”, concebida como reflexo simbólico da identidade comunitária e meio de inclusão social para os que permanecem à margem da sociedade de consumo. De quebra, assistimos também a uma certa demonização da “cultura de elite”,  identificada, sem mais, com as práticas de exclusão. Mas o que surpreende é que tais atitudes, apressadamente transformadas em “política cultural”, manifestem-se, simultaneamente, no programa de governo, na pauta midiática, na plataforma universitária e na bandeira de diversas ONGs, sob aplausos entusiásticos dos organismos internacionais de vários tipos. Tanto consenso não deixa de levantar suspeitas…
 
Há um claro oportunismo político nessa escolha da cultura como válvula de escape para a desigualdade social, especialmente numa situação em que as vias convencionais de inclusão social – habitação, saúde, educação e emprego – estão bloqueadas. Isto é negativo, não só para a cultura, mas para a própria cidadania que se quer promover, além de não alterar nada na estrutura que reproduz aquela situação. Os “socialmente excluídos” são iludidos mais uma vez, com uma espécie de “atalho” que dificilmente os levará de fato àquilo que nunca tiveram: instrução, trabalho e possibilidade de desenvolvimento pessoal. Eles são, além disso, forçados a viver uma segunda vez sua situação de exclusão, encenando-a como espetáculo para uma platéia comovida e bem intencionada. Por outro lado, a própria idéia de “cultura” é amesquinhada com propósitos eleitorais, empresariais ou simplesmente pessoais. Instrumentalizada, ela passa a fazer parte do marketing institucional de governos, empresas e organismos os mais diversos, além de reforçar o curriculum vitae de novos burocratas, futuros candidatos e eternos “líderes comunitários”.
 
Dessa forma, mesmo que involuntariamente, a idéia de cultura como expressão espontânea da identidade social de um grupo acaba sustentando a apologia do status quo e da homogeneidade. Estimulando os agentes sociais a reiterarem “sua” identidade, como único meio para alcançar o reconhecimento e a aceitação da sociedade, esta política de inclusão os mantém prisioneiros de sua própria cultura e de sua própria situação social. Convoca-os à participação, mas para que permaneçam como estão, ocupados em desempenhar o papel que os outros lhes atribuíram, num espetáculo em que serão eternamente coadjuvantes.
 
Não se trata de menosprezar as manifestações culturais espontâneas face às formas elaboradas de cultura, mas de reconhecer que as formas espontâneas da cultura popular são importantes exatamente na medida em que são espontâneas e expressam, dessa forma, a vitalidade de uma comunidade. Mas isto quer dizer, também, que tais formas de expressão, apesar de tradicionais, são espontaneamente mutáveis e perdem justamente sua autenticidade quando se tornam objeto de proteção estatal, preservação patrimonial ou simplesmente se transformam em emblemas autorizados da suposta identidade de um grupo.
 
Se, num sentido antropológico, a “cultura” está em tudo aquilo que o homem faz e se objetiva em discursos, produtos, práticas, ritos e instituições transmitidos socialmente, então basta nascer para fazer parte de uma cultura. Mas, do ponto de vista intelectual, se não interagimos conscientemente com a nossa própria cultura, ela se torna, não uma “segunda natureza”, mas uma natureza morta. Seus produtos deixam de nos convocar ao diálogo com o passado e passam a nos oprimir com o peso de um destino tão arbitrário quanto inalterável. Se é possível ver a cultura como meio simbólico para a afirmação de uma identidade coletiva, podemos também compreendê-la como cultivo diferenciado das capacidades humanas, em busca de superação. Enquanto o acesso à cultura, no primeiro sentido, é praticamente automático, neste outro sentido representa uma opção, que exige decisão, disciplina e dedicação.
 
Ao mesmo tempo, enquanto a primeira acepção de “cultura” assegura a inclusão num grupo e confere ao sujeito uma determinada identidade social, a segunda acepção remete às possibilidades de desenvolvimento pessoal, sem o qual qualquer identidade será sempre estereotipada e artificial. No primeiro sentido, a cultura legada pelo grupo de origem é a expressão simbólica do acolhimento familiar, o lugar da comodidade espiritual, a garantia do reconhecimento pelo outro. No segundo, ela representa o risco do estranhamento e também a possibilidade de transcendência. Mas o mais surpreendente e interessante é que estes dois sentidos da palavra “cultura” convivem e se complementam como dois registros distintos da mesma aventura humana. A mentira da cultura (ou a cultura da mentira) começa quando nos sentimos obrigados (e obrigamos nossos alunos) a “optar” por uma daquelas formas de compreensão da própria cultura, passando a demonizar a outra…


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15Comentários

  • Jussilene Santana, 14 de agosto de 2009 @ 20:29 Reply

    Monclar,
    Muito bom ler teu texto. Com a clareza e a acuidade de sempre. Estamos atravessando tempos difíceis, repletos de falácias e meia-verdades. Pior para quem trabalha com arte e se esforça para estabelecer um cotidiano de disciplina e excelência. O maniqueísmo acachapante lança-nos imediatamente para o campo oposto de uma guerra que não nos levará, enquanto sociedade organizada, a canto nenhum. Só posso lamentar, duplamente, por isso ser algo previsível desde as primeiras medidas do governo Gil-Juca-Meirelles. Há tempos procurava sua voz sobre este assunto. Tenho um blog, o sss://teatronu.blogspot.com, que tenta colocar estas e outras questões em perspectiva.
    grande abraço, Jussilene

  • Ana Lúcia, 15 de agosto de 2009 @ 12:00 Reply

    Gostei muito do seu texto. Concordo plenamente com algumas das suas colocações. Não se pode achar que unicamente através da promoção da cultura popular vamos conseguir trazer cidadania aos grupos marginalizados. Isso é uma mentira.

  • Luiz Claudio, 16 de agosto de 2009 @ 12:08 Reply

    Poxa vida, nunca investiram em projetos que valorizassem a Cultura Popular, quando isso acontece de forma MUITO modesta, vocês ainda dizem que é “fetichismo” e que isso não trará cidadania para os grupos.Basta olharmos centenas de mestres que estão passando fome por conta da falta de valorização que NUNCA tiveram. Acho que tem que tomar cuidado e separar os aproveitadores destas culturas e os que estão na base, vivendo na miséria.Em minha opinião devemos lutar por mais investimento na Cultura Popular, habitação, saúde, geração de renda etc…

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 16 de agosto de 2009 @ 17:40 Reply

    Monclar
    Em primeiro lugar, parabéns pela coragem de tocar nestas questões. Observa-se a sua delicada preocupação em estabelecer um paralelo entre o misticismo e a realidade. Lógico que nesse festival do terceiro setor, como sempre, a classe dominante ainda é muito imperativa na doutrina psíquica. É ela que constrói as suas graduações, é ela que determina degraus que antes de estabelecer que tal atividade cultural é um produto, essa visão gestora se preocupa, em primeiro lugar, em saber se aquilo é realmente produto para os gestores, depois para os diretamente envolvidos nessas questões.

    Eu, que tenho uma fé inabalável no povo brasileiro e sua capacidade de sobreviver nas múltiplas amarras institucionais que lhes são impostas, acho mesmo que toda a engrenagem trouxe muito mais confusão. Mas jamais esqueçamos que é o doutorio e sua escassez de auto-conhecimento que provoca esta linguagem parafinada que contempla sempre, claro, seua pares, mesmo quando se vestem de Papai Noel. Porque o povo, ao contrário da classe dominante, nunca quis ser a palmatória do mundo, ele de fato acredita na cultura espontânea. E por isso determina o seu tempo dentro do seu meio. Este alterofilismo cultural que promete a salvação das crianças de comunidades carentes do bico do urubu e a sagração do bom cidadão franco-germânico, através das escalas de Bach é que se dá bem aqui na terra dos pecadores e deixa a especulação celestial reencarnatória para os pobres. Nossos ricos são bons captadores de dízimo.

  • Candida Arruda Botelho, 16 de agosto de 2009 @ 18:56 Reply

    meu blog aprosainteligente.blogspot.com.br

    Prezado,excelente a matéria e excelente e corajosa colocação sobre as questões culturais, sobretudo a questão política. Cansei, não é preciso dizer mais nada. Por mim a lei Rouanet já acabou…aliás acabou mesmo pois os atual ministro…. não faz outra coisa desde que lá chegou…descontruir…até o nome. Quem sabe ele quer colocar o seu proprio nome na história ???!!!
    Cultura se faz sozinha…. Dinheiro para cultura é outra coisa.
    Vamos continuar fazendo cultura pois é o que sabemos fazer a despeito das leis ….

  • Lony Rosa, 17 de agosto de 2009 @ 13:42 Reply

    Monclar, cemecei a ler os escritos de vcs e está sendo bom constatar que ainda há poucos ousados esclarecendo sobre mais essa enrolação de lei Rouanet e projetos que são abiscoitados apenas pela elite da arte brasileira e seus aconchavados.Eu sou um artista, trabalho com literatura infantil, música e teatro. Tenho vários trabalhos editados e cntinuo batendo às portas dos mecenas particulares para produzir meu trabalho. Nós, artistas, a maioria, ainda não aprendemos a arte da falcatrua e da prostituição pela arte.E tenho certeza de que a burra da cultura no país não vai ser aberta aos que fazem a coisa por amor. Todos os projetos que eu enviei para os governos, de todas as esferas, foram devolvidos, alguns alegando que a falta de uma vírgula no parágrafo tal anulou a proposta, etc, etc.E o staff do senado e da câmara são os padrinhos dessa engrenagem. O que nos incomoda bastante é a gente gastar tempo e dinheiro fazendo projetos que não vão a parte alguma. E o pior de tudo é saber que a tendencia é perpetuar a sacanagem com relação a arte, que é a última fronteira. O resto já foi tomado, enxovalhado e sacramentado.Parabéns, Monclar.

  • Evany Santos, 18 de agosto de 2009 @ 9:48 Reply

    PREZADO LUIZ CLAUDIO,

    A Cultura Popular é digna de todo respeito, pois é a riqueza do povo, o qual ao produzir de forma ESPONTÂNEA elementos de seu universo cultural cria um acervo sincero e GENUINO. Reproduz seu imaginário de sempre, como sempre fez, dentro da tradição de seu universo original,
    recriando em suas representações, desde os tempos remotos, os mesmos personagens de uma espécie de mitologia sem tempo nem idade. Independentemente desta gente simples ser analfabeta ou não.

    TODOS os países possuem seu “folklore” seu tezouro cultural popular.
    Mas na Bélgica o governo não fornece recursos para o povo do campo criar mais ex-votos, ou fabricar mais cerâmica rústica, ou procissões de festas…
    E O QUE ISSO TEM A HAVER COM “recursos para cultura popular” demagogicamente proposto por uma política inculta, do ponto de vista antropológico e etnológico? Respondo que isso representa GRANDE PERIGO para produções espontâneas que sempre aconteceram nas datas comemorativas como festejos, procissões e rituais evocando tradições que já estão ha muito perdidas no continente europeu, mas que o povo brasileiro de regiões afastadas guarda em sua alma coletiva repetindo sempre estas tradições, passadas de geraçao à geração, independentemente de “recursos p/ cultura pópular”
    Estes “recursos”, de intenção demagógica para conseguir votos, significam verdadeiro PERIGO para manifestações espontâneas e genuinas da alma popular, que a partir de perspectivas de grana se tornarão manifestações interesseiras, com lantejoulas e rebolados…

    Portanto não lamente os “poucos” recursos para a arte popular… Pois até estes poucos recursos, ao invés de ajudar, prejudicarão, com toda certeza.
    O que é necessário é recriar a indústria, esta sim geradora de empregos e riqueza para o país.

  • alvaro santi, 19 de agosto de 2009 @ 17:36 Reply

    Excelente texto.
    Só sinto falta de exemplos concretos dessa “política cultural” “oportunista”, “fetichista” e que “demoniza a cultura de elite”, o que não seria difícil mencionar, já que ela se manifestaria “com tanto consenso” em diversos lugares. (“no programa de governo, na pauta midiática, na plataforma universitária e na bandeira de diversas ONGs”) Nomes aos bois, enfim, que dariam um sentido, um alvo ao texto.
    No entanto, se o objetivo era apenas instigar o debate teórico, ponto!
    O binômio popular-erudito (ou “de elite”) é conceito de pouca valia depois do advento da cultura de massa. Mais útil seria falarmos em “tradição”. Ou “tradições”, abrangendo toda a herança cultural de um ser humano ou comunidade, desde as cantigas de roda (“popular”) até o legado de Beethoven (“erudito”), com todas as interações possíveis entre um pólo e outro. Nesse aspecto, parece-me (é uma constatação, mas bom mesmo era mapear isso com alguma exatidão) que nossas faculdades de artes e letras, centro irradiadores e validadores do poder intelectual, são ainda dominadas pela visão eurocêntrica de conservatórios e “bellas artes”, privilegiando claramente o “de elite”. É ler Mário de Andrade e comprovar a triste atualidade do seu pensamento, nesse aspecto. Num exemplo grosseiro: é menos chic fazer uma tese sobre Patativa do Assaré do que sobre Tarantino, pouco importando a diferença abismal entre um e outro no que tange à cultura brasileira.
    Fato é que não há política cultural NO MUNDO que não seja Política NACIONAL, isso desde o moderno Estado francês, ainda antes da Revolução, que enviava artistas para se banharem na cultura da Itália, para glória maior do Rei. Quem analisar a programação dos centros culturais mantidos por nações do primeiro mundo no Brasil encontrará políticas gestadas e executadas por e para Nações, que têm portanto em vista, como horizonte inevitável, alguma idéia de IDENTIDADE(S) NACIONAL(IS).
    Qual identidade, me parece o X. A mais plural possível, digamos por ora.
    Para não padecer da crítica que fiz sobre a falta de exemplo concreto, vou ilustrar com meu próprio exemplo. Nascido numa família entre a pequeno-burguesia e o proletariado, numa casa quase sem livros, pude estudar numa escola privada, GRAÇAS A UMA BOLSA PARCIAL. Aos 10 anos, tive acesso a uma modesta biblioteca, graças ao SESI. Pude estudar numa universidade pública, e residir na capital por 2 anos numa casa de estudantes, com custos mínimos. Resultado de “decisão, disciplina e dedicação”? Sem dúvida. Mas também de POLÍTICAS OBJETIVAS de educação e cultura que concretamente viabilizaram a minha (e de outros tantos) formação como indivíduo.
    Você acredita mesmo que “as vias convencionais de inclusão social” estão bloqueadas? Será que a atual política de cotas nas universidades (por exemplo) é uma ilusão, “uma espécie de “atalho” que dificilmente levará os excluídos à instrução, trabalho e possibilidade de desenvolvimento pessoal”?

  • Evany Santos, 20 de agosto de 2009 @ 19:15 Reply

    Respondendo:
    As vias convencionais, ou não, de inclusão social estão bloqueadas, sim. Porque a sociedade, como um todo, está bloqueada, involuindo, pois só uma minoria ínfima tem consciência social, e esta minoria é a elite, não manda nada, porque por ser consciente, é ultra combatida pelo mentalidade tacanha e acachapante que irradia influência sobre a massa popular. Para esta mentalidade, a inclusão social diz respeito ao acesso ao consumo e símbolos de poder financeiro, e mais nada.
    Por um lado o racismo arraigado que não percebe o quanto é ridícula e prejudicial a tal política de cotas universitárias, totalmente contra a integração. Por exemplo, Obama é um homem branco – é um ser integrado -ele apenas tem a pele escura…Muitos como Obama, não tiveram estudo de “cultura africana” ou “cultura asiática” nas escolas, nem cotas raciais nas universidades.

    Já a inclusão ou integraçãO CULTURAL A NÍVEL ANTROPOLÓGICO/social do migrante rural como invasor pacífico das periferias urbanas dos grandes centros e cuja explosiva natalidade fez nascer tantas favelas, é uma questão a pensar. Vieram atraídos pela propaganda das “télénuvelas” da Globo, mas poucos conseguiram promoção ou inclusão social. Isso porque não é possível, num país sem indústrias, no espaço de tempo de duas ou tres gerações (e até mais)transformar uma sociedade de cultura rural arraigada, perdida no tempo / no espaço, tornar-se em cidadanias urbanas. E é o ar de um maravilhoso arcaísmo ou forças subjetivas acachapantes que entravam a transmutação do Brasil numa sociedade de cultura atual, com a integração de todos, o que certamente virá no final.
    E ao invés da tentação consumista fútil, das bobagens, porque não oferecer a todos um melhor nível cultural? Encenar bailados fantásticos, sinfonias de Beethoven,cantigas de Villa-Lobos, peças inéditas de Lourenzo Fernandes, Ernesto Nazaré…Ou seja, oferecer ao povo uma cultura de nível, porque cultura de qualidade É FATOR DE INTEGRAÇÂO, ou inclusão.

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 20 de agosto de 2009 @ 20:43 Reply

    Evany Santos
    Voce jura que acredita no que escreveu?

  • Evany Santos, 21 de agosto de 2009 @ 17:58 Reply

    Sr. Carlos H.M.Freitas
    Não só acredito, mas sei de uma verdade vivida, sem embromações tão típicas da fanfarronice do pobre macho brasileiro, o tal….

  • Climério de Oliveira, 31 de agosto de 2009 @ 15:41 Reply

    Caro Monclar.
    O seu pensamento é tão pertinente e oportuno, quanto incompleto.
    Que muitas ONGs e produtores oportunistas vêm repromovendo e se beneficiando das políticas públicas voltadas para a chamada “cultura popular”, disso eu não tenho dúvida. Porém, afirmar que o Governo Atual, não obstante suas muitas amostras de mediocridade, não vem implementando políticas voltadas para o que você apelida de segunda acepção de cultura que “remete às possibilidades de desenvolvimento pessoal, sem o qual qualquer identidade será sempre estereotipada e artificial”, aí já acho que você peca.
    Após a Ditadura (que ainda permance), os brasileiros tentaram promover sua melhoria social elegendo empresários bem sucedidos e um sociólogo extremamente arguto. Fracassou em ambos os casos, embora no segundo tenha havido ganhos. Os brasileiros resolvem eleger um “semianalfabeto” – como a Elite preferiu apregoar -, uma espécie de “sapo barbudo”, como os revanchistas gostam de pichar. Eis que o semianalfabeto resolve investir na Educação Superior 4 vezes mais do que o seu opositor doutorado em universidade de “primeiro mundo”. Resolve também implantar campus universitários em várias cidades interioranas do Brasil, sobretudo, do Nordeste do país. O Sapo Barbudo também resolve aproveitar as melhores políticas do seu antecessor, a saber: a contabilidade rigorosa – apelidada de Plano Real – e algumas políticas de Educação e de Saúde pública. O Sapo Barbudo também se nega a entregar de mãos beijadas a Estatal do Petróleo, o Banco do Brasil, entre outras poucas empresas que escaparam aos saqueadores os quais, como os produtores e as ONGs, enchem o buxo. Esta, coroada de ESTATIZAÇÂO, foi uma grande ambição do Estadista anterior, que tem uma idéia fixa: “Por fim à Era Vargas”. Essa obsessão rendeu à Argentina uma bela depressão que já dura mais de uma década. O Sapo Barbudo também é atacado por dar uma “esmola” a milhões de famílias miseráveis. “É um populista!!!”, berram os opositores. Porém, a França, a Alemanha, o Reino Unido e muitos outros países fazem isso. Oh… mas, se é a França, então é divisão mínima de riqueza!!! É correção social, ação afirmativa…
    Há outras verdades, caro Monclar, que você não toca. Você certamente nunca passou fome… a fome desses mais de 6 milhões de famílias que recebem a “esmola”. Você também não deve ser de uma comunidade que sabe dançar e cantar coco-de-roda e que tenta sobreviver cortando cana em um latifúndio, mas sonha em sair dessa vida. Também não deve ser de uma família que toca para os Orixás e trabalha numa indústria ou está desempregado. Que bom que vc não está numa situação dessas. É menos um miserável, ou nem tanto, talvez, seja só mais um remediado. Mas que bom que o remédio te ajudou a questionar as mazelas da tua política, da tua sociedade, do teu presidente. Por falar nisso, deixo claro que não sou apologista de Lula e seu Governo.
    O fato é que temos um presidente populista mesmo; agora sou eu, um eleitor que votou em Lula, quem o está afirmando. Mas o pior de tudo é não termos alternativas concretas a esse populista. O pior de tudo é termos como alternativa política um peixe-serra e seu partido, que já afirmaram: “investir em pesquisa nas universidades do Nordeste é jogar dinheiro fora”. Eu não posso achar essa música engraçada, caro Monclar, por que sou nordestino e vivo no Nordeste, em universidades cujos corpos docentes integram gente orunda das quatro regiões do Brasil, da Europa, Canadá e de outros lugares.
    Veja, caro Monclar, tudo o que você disse é pertinente. O problema é o que você não disse. Você não disse que o salário múnimo do Brasil vem aumentando significativamente. Você não disse que o dinheiro que hoje vai para a mesa dos miseráveis ia para outras mesas. Sabe por que as nossas críticas ao governo Lula e à política brasileira não ganha eco? Por que a nossa crítica ignora o que há de eficaz e foca no que há de espúrio. Uma “cultura popular” pode traduzir muitos aspectos importantes de uma sociedade. O problema não está em “promover” uma cultura popular, nem em pensar os laços identitários. Vamos estudar o que está ocorrendo, há muitos editais que valorizam trabalhos críticos sobre cultura popular, literatura, mídia etc. Recentemente o MINC e a FUNARTE lançaram vários editais com esse perfil. Cuidado, Monclar, ver só o lado inepto soa é ainda mais inepto, pessimista e nos faz acreditar que político é tudo igual, que “política é uma merda”. É o mesmo que dizer: “temos um governo excelente!”. Quem vê assim, tem uma visão igualmente míope da conjuntura. Contudo, te agradeço pelo texto, teu pensamento me é útil por que, mesmo incompleto, toca num ponto fundamental.

    Att,

    Climério de Oliveira.

  • Kluk Neto, 20 de setembro de 2009 @ 23:06 Reply

    Monclar, ao ler o seu texto e os comentários que a ele se seguiram, pude constatar que tocou com sutileza em pontos vitais para a discussão da cultura e sociedadade. Todos os que aqui se debruçam sobre a questão da cultura e outras questões sociais teremos que voltar à esses pontos ainda muitas vezes e por muitos anos até que uma direção de razoável consenso seja possível e acomode os pontos de vista e interesses plurais na sociedade brasileira.
    Em meio a tantos caminhos para discutir o seu texto, gostaria de fazer algumas considerações quanto à dicotomia entre cultura popular e cultura das elites e alguns desdobramentos que esta dicotomia me fez relfetir.
    Se quisermos, será possível enxergar essa divisão em diversas épocas da humanidade, em todos as plagas ,nascida, transformada e evoluída nos caminhos históricos percorridos por cada povo. Transferido de geração a geração e de povo a povo na infinita espiral e no caldeirão da manifestação da alma humana universal.
    Ponto de vista poético, muito distante das questões cotidianas do pão de cada dia que cada artista pede que lhe seja dado pelo seu valor e conquista.
    E todos querem seu pão.
    O que me parece improfícuo nesse debate todo é o espírito de seita, justificado e alimentado constantemente pelos ressentimentos históricos e pela verborragia, essa sim muitas vezes populista e aproveitadora, que deita e rola sobre o cenário desolador das desigualdades brasileiras, reais e tangíveis e por isso mesmo tão fáceis de serem traduzidas em propostas embasadas no discurso Robin Hood, já que sinalizam um caminho desejável para tantos.
    Tão importante quanto valorizar a cultura popular (acho que pra ser valorizada tem que ser com dinheiro né ? senão não vale dirão), é reconstruir a indústria cultural (foi dito aqui nos comentários). Mas pra que a indústria ? Esta que se alimenta do novo, do velho, do popular e do erudito, do terreiro e das galerias e salões da realeza, mas que não dá espaço para tantos e todos (fazer o que né ?). Tão veemente odiada pelos excluídos que buscam no Estado e o elegeram como instância interventora redentora esquecendo-se que no Estado também não haverá lugar para todos (também vi aqui alguém reclamando que foi julgado em editais pela sua vírgula, e os produtores culturais que o digam exaustos, cansados que estão de apresentar projetos às instâncias julgadoras do MinC e dá-lhe Caetano)
    Esta plenitude cultural integradora, utópica, sonhadora, (aliás acho que é o sonho de todos, senão não estaríamos aqui trançando idéias não é mesmo ?) depende infelizmente, não só da caneta do Ministro da Cultura, mas prescinde de uma evolução do país em diversos aspectos, especialmente no que tange ao nível educacional e de transformação de aspectos sociais, econômicos e culturais de uma forma muito ampla.
    Enquanto as baterias da artilharia dos que se arvoram defensores dos pobres e oprimidos continuarem ressentidas, desconfiadas e a desprezar as ações “marketeiras”, das empresas, das ONGs, dos institutos empresariais e de tantos, ao menos daqueles sinceros (em cada canto do mundo há anjos e demônios e também dentro de cada um), destes que buscam a construção de um pais diferente, esforçando-se com os recursos ao seu alcance.
    Enquanto não conseguirmos aparar estas arestas e continuarmos a acreditar que o Estado e só o Estado deve fazer tudo. Enquanto acreditarmos que o Estado é a única instância para nos representar na sociedade. Enquanto não formos capazes de perceber que nós devemos colocar a nossa vontade em todas as instâncias. Empresas, ONGs, associações, Institutos, Associações, Legislaturas. E que estas serão aquilo que nós quisermos que elas sejam.
    Enquanto não formos capazes de encontrar a unidade na diversidade, a concórdia colaborativa e continuarmos a nos enxergar como inimigos em lados opostos da cultura. Enquanto tudo isso for parte do cenário, vamos nos demorar a evoluir como nação e perpetuar os rancores, reproduzindo e alimentando no presente as mazelas do passado. Estas mesmas que queremos todos possam ser superadas.

  • Moysés Maltta, 23 de setembro de 2009 @ 18:07 Reply

    Caro Monclar, parabens pela coragem. É bnom ver que alguém ainda consegue pensar claramente a partir dos dados da realidade e livre do “ideologismo” que viciou as discussões culturais desse país. Não sei se você leu “Notas sobre uma definição de cultura” (ou algo parecido) do genial poeta TS Elliot onde esse assunto é colocado com maestria. Infelizmente, a inteligentzia brasileira não consegue ultrapassar o fosso limitado dos pensadores de Frankfurt e não conseguem enxergar nada além do lamaçal das idéia prontas politicamente corretas, mas imensamente distantes do mundo real.
    Um abraço

  • Lucas Braga, 24 de novembro de 2010 @ 10:35 Reply

    Olá Monclar! Gostei muito da matéria. Sobretudo, gostaria de na próxima vez ser informado da utilização da fotografia, ok?

    Obrigado.

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