Navio Negreiro, de Tiago Gualberto

A primeira carta de compromissos de Lula para a cultura, “A imaginação a serviço do Brasil”, dava conta da amplitude e da complexidade da cultura e sua importância estratégica para o país. O material do segundo mandato fazia uma abordagem setorial, corporificada tanto pela metodologia da II Conferência Nacional de Cultura, organizada em pré-conferencias setoriais, quanto pela própria constituição de fundos do Procultura, PL que revoga a Lei Rouanet.

O tratamento da política cultural como um apanhado de soluções para demandas de setores econômicos organizados é um retrocesso político. Primeiro porque contradiz o princípio de que política cultural é para o povo e não para as classes organizadas em torno dos fazeres culturais. A criação, pelo PL do Procultura, de um setor da diversidade cultural, por exemplo, que até fundo setorial especifico pretende-se criar, constitui-se numa aberração conceitual.

A configuração pretendida par a nova CNIC, também no PL do Procultura, além do próprio Conselho Nacional de Políticas Culturais, segue a lógica da setorialização da cultura, o que representa uma certa predominância do olhar econômico sobre os processos políticos. E de um tratamento por nichos de demandas. E o Estado como monopolizador dos sistemas de irrigação desses setores, não apenas como regulador ou mediador.

Concordo com a valorização da cultura por sua dimensão econômica. Capaz de gerar postos de trabalho, renda, economia solidária, o setor cultural é uma realidade que poderia ser reforçada com ações positivas do Estado, cedendo crédito, impulsionando a empregabilidade e a formalização do setor, além do investimento no empreendedorismo. Mas numa abordagem tática, não estratégica. Corremos o risco de reduzir cultura a um emaranhado cada vez mais complexo de sindicatos organizados em torno de suas demandas específicas.

Do ponto de vista político essa abordagem pode ser facilitada pela representação de seus membros e pela interlocução mediada por instâncias democráticas. O Estado forte que pretende-se forjar a partir dessa sistematização funcionaria como um balcão de atendimento a essas forças organizadas e representadas. Tudo isso pode parecer positivo para o fortalecimento desses setores, mas não é.

Eles somente serão impulsionados quanto toda a sociedade participar do processo de construção de políticas culturais. Quando cidadania cultural deixar de ser um espasmo ideológico e tornar-se processo contínuo, afetando de  maneira profunda os modos de vida do brasileiro. Jamais teremos uma política cultural estruturante, abrangente e que faça diferença na vida das pessoas, no processo de formação, auxiliando-nos no desafio do desenvolvimento sustentável, sem esse pleno exercício.

Por isso, cultura precisa deixar de ser campo de batalha corporativista, para ser um campo de conquista e consolidação da cidadania.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

25Comentários

  • Aninha Franco, 5 de março de 2010 @ 11:34 Reply

    Eu não consigo mais ouvir setorial, congresso e o blá-blá-blá que marca os discursos do MINC, todos sem compromisso com a arte. Apurados os projetos, as políticas, os produtos dos últimos 7 anos, os resultados aparecem claros nos musicais estadunidenses que invadiram o teatro paulista.carioca, na lista dos livros mais vendidos no País, de auto-ajuda estadunidense, no cinema… Quais são as conquistas reais da arte e da indústria cultural brasileira, afinal de contas?

  • wposnik, 5 de março de 2010 @ 11:42 Reply

    Leonardo:
    Concordo inteiramente com a sua formulação. E diria mais, Cultura é setor, pelo viés do entretenimento, do showbizz, do negócio. Por isso já estive focado na economia da cultura: ledo engano ! Cultura como processo re-criativo, de transmissão do conhecimento acumulado pelo seres humanos, geração a geração, desde as suas mais longínquas origens, transcende as categorias econômicas, ou mesmo o universo econômico. Passa inclusive, pela discussão de direitos autorais: quem são os grandes titulares de desses direitos, de música, literatura ou ciência de ponta, produto do desenvolvimento mais recente e mais importante da humanidade ? Alguns poucos monopólios econômicos globalizados – imagine, até a cadeia do genoma humano ! Para ser tratado como uma categoria econômica, teríamos que utilizar um conceito amplo de desenvolvimento sustentado: esse conhecimento acumulado com um ativo da contabilidade social, juntamente com a dimensão ambiental e outras ligadas diretamente, à consciência e a existência do conjunto dos seres humanos – independentemente do regime econômico vigente. Porém, ainda estamos muito distantes dessa percepção. Com a agravante, de que setor econômico, mesmo dentro da teoria econômica, vamos dizer assim ‘clássica’, tem seus limites metodológicos: trata-se de um conceito ‘funcionalista’, já meio fora de moda. Abstração de velhos modelos de análise, de pelo menos 50-60 anos atrás.

  • gil lopes, 5 de março de 2010 @ 13:44 Reply

    Nossa política cultural já existe, é feita fora do Brasil e é projetada para reproduzir a memória estrangeira. Vivemos sob a hegemonia cultural americana, ato consumado como disse nossa amiga ali num comentário. Portanto só há um caminho para se pensar em política cultural no Brasil, só um, como vamos nos relacionar com isso. O que queremos diante disso. Se vamos incentivar ainda mais isso ou não. Já dizia o “babaca” Oswald de Andrade ( foi o adjetivo de Lêdo Ivo para o modernista), nossa questão é a antropofagia. Vamos nos locupletar então com isso? Se queremos projetar alguma coisa nacionalmente temos antes de mais nada que nos referir a essa condição…é acachapante nossa situação.
    A outra vertente, a única outra vertente é a adoção da Nova Cultura. De que maneira vamos apressar nossa inserção nos novos meios de produção e difusão de cultura de modo a impedir o aprofundamento das condições atuais absolutamente desfavoráveis para nós, sobretudo com relação a Música Brasileira que foi destruída interna e externamente na sua capacidade de produzir riquezas.
    Contestar a hegemonia e apressar a adoção da Nova Cultura. Sem isso, estamos perdendo tempo.

  • Gui Afif, 5 de março de 2010 @ 18:53 Reply

    Léo, gostei muito deste seu texto. É comum vermos entre produtores culturais, manifestações legítimas, porém circunscritas à condição de participantes do meio, que acabam se alternando entre a obtusidade e o corporativismo. Para poder criticar política cultural de estado, temos que manter a visão ampla e fortemente plantada na finalidade primeira de uma política pública: o público. E você tem isso. Abraços.

  • gil lopes, 6 de março de 2010 @ 3:58 Reply

    Poxa, eu queria ver as manifestações dos produtores culturais. Talvez em São Paulo…ou em Nova York eles estejam pelas esquinas conjuminando corporativismos ou alternando obtusidades…mas onde estão eles querendo falar em política cultural? Logo isso que, é do público. Política cultural de estado por aqui é mistificação e ação entre amigos, todo mundo sabe de onde vem a política cultural daqui, vem de lá. De demagogia e conversa fiada somos pós graduados, ou doutores. O buraco é mais embaixo e fica combinado que todo mundo admira o Léo ( isso daria um bom comercial, compre no Léo, vantagens especiais…eheheh…tô de onda Leonardo…), mas que a contestar a hegemonia é tão raro quanto encontrar “produtores culturais” se manifestando. Já é hora.

  • gil lopes, 6 de março de 2010 @ 4:21 Reply

    E pra registrar, é verdade, a última vez que vi produtores culturais se manifestando eles estavam na Folha de São Paulo respondendo a provocação do assessor do presidente que comparou a invasão cultural com o estabelecimento da quarta frota. Não sei se eram obtusos ou corporativos, isso é com cada um, tratei de reproduzir as idéias e opiniões, estão aí no Reboliço. Quando se referiu ao público, um deles disse: vê quem quer…tem gente que acha mesmo que se tudo que passa é visto, então é porque o pessoal está gostando e é por aí…o pessoal do crack também parece que está gostando, então…libera? Manda mais pra eles? Esse negócio de pensar pelo público é muito complicado…depende.

  • gil lopes, 6 de março de 2010 @ 4:23 Reply

    E pra registrar, é verdade, a última vez que vi produtores culturais se manifestando eles estavam na Folha de São Paulo respondendo a provocação do assessor do presidente que comparou a invasão cultural com o estabelecimento da quarta frota.

  • Elias Rodrigues de Oliveira, 6 de março de 2010 @ 13:11 Reply

    Leonardo, os textos neste “culturaemercado” corajosamente, promovem reflexões sobre valores e práticas culturais. Agradecemos sua vasta contribuição.

    As reflexões provocadas por este texto “Cultura não é setor” devem ir além destes setores hoje organizados, reivindicadores, que se fazem representar e agem de forma corporativa.
    Sugiro uma analise crítica das políticas e práticas culturais observando-as como escalas-de-ação: Escala do Indivíduo, Escala dos Grupos e Escalas das Massas.
    As manifestações Culturais na Escala das Massas seriam: indústria cultural, Cinema, TV, gravadoras, Internet. Possuem alta representatividade e poder econômico.
    Na Escala dos Grupos: Companhias de teatro, dança, corais, orquestras, vídeo clubes e similares; Estes se representam por meio de Sindicatos e Associações.
    Na Escala do Indivíduo estão: Literatos, poetas, artistas plásticos, compositores e similares. Pessoas solitárias, não se fazem representar e sem poder de reivindicação. Portanto, estes grandes autores da humanidade, necessitam da atenção e proteção do Estado. Não me refiro ao incentivo a um indivíduo ou pessoa privilegiada. Refiro-me ao incentivo que favoreça a todas as pessoas serem autoras, e não passivas consumidoras. Incentivo que favoreça o acesso do grande público às “Manifestações Culturais da Escala do Indivíduo”.

    Outro aspecto, é a necessidade de praticarmos um Direito Cultural amplo e democrático; capaz de incluir setores sócio-culturais que praticamente não se beneficiam dos incentivos culturais. Refiro-me à expressão cultural dos povos rurais, detentores de um rico patrimônio imaterial. Refiro-me também à expressão artística na infância e juventude, hoje sufocada e excluída pelo poder e cultura dos adultos. Ir além do urbano e aquem do adulto.

  • Dayse Cunha, 6 de março de 2010 @ 13:18 Reply

    O problema da Política Cultural no Brasil é antes, falta de comprometimento e cumplicidade com cidadania e brasilidade. Por ex. quando alguém do meio cultural assume, a pasta é utilizada em benefício de projetos pessoais e amigos (numa espécie de nepotismo colateral).
    Se o político de carreira assume, a pasta é utilizada em benefício setorial e portanto comercial (mercantilismo). Portanto, talvez e só talvez, a saída seja a regionalização das políticas culturais, com o fortalecimento e implementação de Secretarias de Cultura em todos os Municípios do país. Evidentemente mediados por conselhos Municipais de Cultura com representações: Sociedade Civil, artistas, produtores culturais e membros da esfera pública, ou seja, democrático e participativo.
    Enfim, mas o q se esperar, se até o Rio de Janeiro, dizem que tem, mas se tem é de existencia difusa, não possui de fato seu Conselho Municipal de Cultura…

  • Dayse Cunha, 6 de março de 2010 @ 16:32 Reply

    Reenviando
    O problema da Política Cultural no Brasil é antes, falta de comprometimento e cumplicidade com cidadania e brasilidade. Por ex. quando alguém do meio cultural assume, em geral a pasta é utilizada em benefício de projetos pessoais e amigos (numa espécie de nepotismo colateral).
    Se o político de carreira assume, em geral a pasta é utilizada em benefício setorial e portanto comercial (mercantilismo). Portanto, talvez e só talvez, a saída seja a regionalização das políticas culturais, com o fortalecimento e implementação de Secretarias de Cultura em todos os Municípios do país. Evidentemente mediados por conselhos Municipais de Cultura com representações: Sociedade Civil, artistas, produtores culturais e membros da esfera pública, ou seja, democrático e participativo.
    Enfim, mas o q se esperar, se até o Rio de Janeiro, dizem que tem, mas se tem é de existência difusa, não possui de fato seu Conselho Municipal de Cultura…

  • Claudia Taddei, 7 de março de 2010 @ 0:12 Reply

    Caro Leo, é dificil de acreditar que o próprio governo tenha uma visão tão equivocada sobre o seu próprio fazer, sobre o que lhe compete. Simplificar uma discussão que deveria ser direcionada a criação (algo que não me lembro de ter exisitido no pais) de uma politica cultural a uma discussão de como manipular as lei de incentivo é no minino absurdo.
    Sou produtora cultural e me interesso sim em discutir politica cultural, mas espero mais clareza do nosso governo que poderia aproveitar a oportunidade para lançar as bases para uma efetiva reforma na Lei e para dar inicio a uma discussão de fato sobre politica cultural.

  • Filipe Cavalieri, 7 de março de 2010 @ 3:03 Reply

    O que acontece é que não estão fomentando nada e sim fazendo um balcão para atender demandas reprimidas da sociedade, no caso os artistas. Aí tem que organizar.
    Criam-se editais mas não programas de cultura.
    É tanta organização que tem prestador de serviço de divulgar edital…
    axé
    filipe

  • luciano, 7 de março de 2010 @ 15:36 Reply

    acho interessante a organização dos artistas. mas ainda acredito no artista marginal. q vive fora das organizações justamente para ser livre até pra criticá-las construtivamente. porque tem o artista q vira presidente da associação. dai vira uma panelinha. e so consegue mostrar sua arte quem for amiguinho do presidente. tem tbem o “produtor” q muitas vezes nem artista é, mas é esperto e político e acaba determinando os rumos culturais de toda uma cidade. sou musico e moro em curitiba. pra tocar em qquer lugar tem q ser amiguinho de alguem. nao interessa se o meu som é interessante. tem q passar por uma peneira. justamente a peneira q o artista quer rasgar. nao ter limites. como chegar no meio termo? o caminho do meio? akele abc. boa sorte pra todos nós.

  • Mauricio Fonseca, 7 de março de 2010 @ 17:15 Reply

    Prezado Leonardo

    Em primeiro lugar quero dizer que estou iniciando um debate com você porque respeito suas idéias, leio seus textos apesar de, em geral, discordar de suas análises e propostas relativas aos rumos atuais da política cultural. Primeiro pergunto: desde quando as políticas culturais deste país tiveram como destinação “o povo”? Conheço bem, acompanhei as politicas e os programas do MinC nas gestões anteriores e, meu caro, se houve segmentos da populaçào que sempre ficaram marginalizados são exatamente os que comumente chamamos povo: os índios, os afro-brasileiros, as culturas populares, ribeirinhas, caiçaras, ciganos, enfim uma gama diversificada e altamente representativa de um imenso contigente populacional que sempre esteve escluida dos recursos públicos destinados à cultura. E mais que isto: nunca foram contempladas com políticas que considerem as suas especificidades, que valorizem as suas expressões culturais. Pelo contrário, o Estado sempre tendeu a “folclorizar” culturas vivas, como se elas estivessem mortas, como se não fossem expressòes concretas de grupos culturais que acreditam no que praticam porque o que praticam expressa a sua identidade cultural. Culturas ancestrais, mas contemporâneas e que querem ser reconhecidas, valorizadas e também ter acesso não apenas aos recursos mas a políticas que sejam construidas considerando suas realidades. Estou aqui neste momento em Brasilia como delegado da sociedade civil para participar de uma das pré-conferências setoriais. Cultura não é setor? Claro que náo, isto é muito óbvio. Mas “setorizar” o debate de diretrizes e planos, no meu modesto ponto de vista, propicia a possibilidade de aprofundar diretrizes de políticas que contemplem a diversidade (que palavrinha que provoca arrepios, não é, incomoda tanto a determinados segmentos da cultura brasileira) de setores, que, diga-se de passagem sempre estiveram organizados enquanto tal (dança, teatro, artes visuais, cinema, etc),geralmente com os seus reprsentantes mais bem aparelhados e próximos ao poder sempre aquinhoando os recursos públicos para seus projetos em parceria com os interesses de marketing das empresas que praticam o mecenato sem tirar um tostão de seus próprios cofres, somente através da renúncia fiscal.
    Acho que o atual projeto de Lei que pretende substituir a Lei Rouanet tem ainda muitas falhas, precisa ser discutido amplamente e de forma democrática. Mas, o projeto anterior tão defendido por determinados setores das artes e da produção cultural também é extremamente falho se pensado enquanto base legal para a constituição e implantação de uma política nacional de cultura que esteja realmente voltada ao “povo”.
    É claro que a cultura e as políticas culturais não podem e não devem ser pensadas de forma setorizada. Penso que o conceito de cultura, por sua própria natureza, é transversal, que as diversas expressões das culturas e das artes sempre se tocam, se complementam, e as políticas devem estimular o diálogo, o intercâmbio de linguagens e conteúdos.
    Mas, se este deve ser um dos princípios basilares, isto não significa que a política cultural não deva garantir aos diversos segmentos, sobretudo os que sempre estiveram à margem das políticas do Estado, inclusive a cultural, possam efetivamente exercer sua cidadania cultural, fortalecer suas identidades, praticar suas expressões, suas artes, torna-las conhecidas, visíveis para a sociedade.
    Neste sentido, defendo a necessidade de fundos setoriais e, especificamente do fundo setorial do acesso e diversidade. Este fundo pretende garantir recursos que nunca chegaram antes aos povos indigenas, às culturas populares, afro-brasileiras, ciganas e outros referidos no 315 e 316 da Constituição Federal e nunca contemplados efetivamente com leis e recursos públicos. A gestão do Ministério da Cultura, ao criar, por exemplo, a Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural, inovou e avançou em muito na abordagem de um universo extremamente rico e profundamente desconhecido dos brasileiros,dos estudantes das escolas públicas e privadas que, na sua quase totalidade (vocë por exemplo sabe disto?) desconhece que no Estado de São Paulo vivem perto de 30.000 indios integrantes de mais de 15 povos, sobretudo os que sempre viveram lá como os Guarani e Kaingang. Desconhecem que na cidade de São Paulo existem 4 aldeias guarani praticando a lingua, os rituais religiosos, a culinária, as danças e cantos, enfim, praticando e vivendo sua cultura apesar de todo o massacre a que foram e ainda são submetidos.
    Entendo que as chamadas pré-conferências ao focar em aspectos determinados do universo cultural brasileiro permitirão que vozes que nunca conseguem rivalizar com as que monopolizam o discurso na mídia, na política, nos parlamentos, junto às empresas, tenham vez, possam contribuir de forma efetiva na construção de diretrizes e planos que contemplem cada segmento naquilo que possuem de específico (será que segmentar implica obrigatoriamente em eliminar o olhar transversal?).
    Para mim isto é um grande avanço, contribui para quebrar o monopólio dos discursos que sempre formaram a opinião e que sempre tiveram poder suficiente para captar para si a maior parcela dos recursos públicos destinados à cultura. Acho que este processo é democrático. Conferencias municipais, estaduais, setoriais, convergindo para uma Conferência Nacional.

    Como este debate vai longe e já escrevi demais, fico por aqui. Mas te convido a tentar olhar para este “outro lado da cultura”, procurar entender as necessidades reais destes “setores” da sociedade brasileira, ampliar o conceito de cultura para além das expressões artisticas tradicionais da cultura ocidental.

    Mauricio Fonseca

  • Alê Barreto, 7 de março de 2010 @ 18:55 Reply

    Olá Leonardo:

    Antes de mais nada, quero iniciar o meu comentário dizendo que respeito muito o seu trabalho e admiro muito o seu blog. Não trabalho em nenhuma função pública, não sou filiado a nenhum sindicato ou partido político e simpatizo com várias ações (não todas) do Ministério da Cultura, principalmente as que foram iniciadas sob a liderança do Gil. Feita esta breve apresentação, quero deixar claro que não estou aqui para defender ou atacar o atual Ministério da Cultura. Estou aqui para debater as ideias contidas em seu texto “Cultura não é setor”.

    Como você, também acredito que o diálogo e a liberdade de expressão são os alicerces da construção de uma sociedade mais plural, solidária e responsável. E tenho ciência de que muitos setores ditos progressistas, inclusive o PT em que votei por vários anos, muitas vezes quando ocupam cargos público acabam encenando a “Revolução dos Bichos” de George Orwell. Baseado nisso, peço licença para fazer alguns comentários, sem a pretensão de acertar ou ter razão. Quero me expor para aprender.

    O primeiro comentário refere-se a sua afirmação “(…) uma política cultural é para o povo e não para as classes organizadas em torno dos fazeres culturais”. No meu entender, esta afirmação está baseada no princípio de que todo mundo tem direitos culturais, direitos de usufruir a cultura. Se foi esse o sentido, concordo com você. Mas num país com tantas desigualdades como o nosso, criar sistemas que estimulem a participação seria uma afronta contra uma política pública de cultura? Digo isso porque eu acredito as classes organizadas em torno dos fazeres culturais também são povo. Considero ainda que a ideia de organizar a cultura em setores é uma coisa. A competencia para fazer isso da forma mais equilibrada e democrática possível, é outra. Gostaria de entender melhor esta sua interpretação dos fatos.

    O segundo comentário se refere a afirmação “a configuração pretendida para nova CNIC, também no PL do Procultura, além do próprio Conselho Nacional de Políticas Culturais, segue a lógica da setorialização da cultura, o que representa uma certa predominância do olhar econômico sobre os processos políticos. E de um tratamento por nichos de demandas. E o Estado como monopolizador dos sistemas de irrigação desses setores, não apenas como regulador ou mediador”.

    Aqui, para mim, está difícil compreender o seu pensamento. O pensamento político que visualiza o Estado apenas como regulador e mediador, em geral, é o liberal. E o pensamento liberal é o mesmo que apoia a ideia de livre mercado. E a ideia de livre mercado é a mesma que induz os Estados a não se envolverem na economia, o que historicamente tem levado a maior parte das atividades da indústria cultural ser guiada pela iniciativa privada, por grandes corporações, nas quais sempre predomina o olhar econômico. Pergunto: você está analisando a cultura do ponto de vista liberal?

    Obrigado pela oportunidade de participar deste debate.

    Um abraço,

    Alê Barreto
    Produtor Cultural Independente

  • wposnik, 7 de março de 2010 @ 22:38 Reply

    Leonardo:
    Concordo inteiramente com a sua formulação. E diria mais, Cultura só é setor, pelo viés do entretenimento, do showbizz, do negócio. Por isso já estive focado na economia da cultura: fiz, há muito tempo, minha auto-crítica – ledo engano ! Cultura como processo re-criativo, de transmissão do conhecimento acumulado pelo seres humanos, geração a geração, desde as suas mais longínquas origens, transcende as categorias econômicas; ou mesmo o universo econômico. Envolve o resgate da solidariedade e da transmissão desinteressada, desse conhecimento, à maneira das sociedades tradicionais pré-letradas. Que por isso valorizavam sobremaneira, idosos e crianças. E passa inclusive, pela discussão recorrente, de direitos autorais: quem são os grandes titulares de desses direitos, de música, literatura ou ciência de ponta, produto do desenvolvimento mais recente e mais importante da humanidade ? Alguns poucos monopólios econômicos globalizados – processo que se reflete até na cadeia do genoma humano ! Para ser tratado legitimamente, como uma categoria econômica, teríamos que utilizar um conceito amplo de desenvolvimento sustentado: nele, esse conhecimento acumulado seria um ativo da contabilidade social, juntamente com a dimensão ambiental e outras ligadas diretamente, à consciência e a existência do conjunto dos seres humanos – independentemente do regime econômico vigente. Ativos sociais do gênero humano, tanto a Cultura acumulada, como o meio ambiente preservado, cujas depreciações onerariam gravemente as próximas gerações. Porém, ainda estamos distantes dessa percepção, ou dessas práticas. E por fim, setor econômico, mesmo dentro da teoria econômica, vamos dizer assim ‘clássica’, tem seus limites metodológicos: trata-se de um conceito ‘funcionalista’, já meio fora de moda. Abstração de velhos modelos de análise, de pelo menos, 50-60 anos atrás.

    (OBSERVAÇÃO – PARA SER EXCLUÍDA DA PUBLICAÇÃO: Remeti este comentário, logo após a postagem do texto (do autor); ainda não aparecia nenhum outro – acho que na 6a. feira. E aí vão as perguntas, que me ocorrem no momento: problemas operacionais ? Rigor na moderação ? Censura ? Se couber resposta, fico no aguardo !)

  • Moreiraph, 8 de março de 2010 @ 4:26 Reply

    Leonardo

    Muito boa a provocação…

    Eu aceito essa conceituação econômica para ajudar a dimensionar o que é a nossa indústria cultural. Mas vamos aos poréns:

    1) Nós somos uma nação jovem (apesar dos 500 anos de colônia) recém saída de uma ditadura. Perdemos líderes, talentos, etc…

    2) A nossa herança cultural traz consigo uma dívida externa (impagável) que nos atrela a outras economias tornando-nos satélites e dominados.

    3) Com a globalização e a facilidade de clonagem digital do produto cultural ocorreu a banalização da arte e do produto cultural. Qualquer um pode (e deve) ser artista mas ocorre de início a banalização e a quebra dos mercados até aqui dominados pelas majors do sistema.

    4) Junto com a globalização ocorre a queda de paradigmas onde por exemplo a música torna-se uma linguagem funcional (Hans Joachim Koelreutter) e permeia toda a sociedade, modificando as estruturas de produção da Cultura. O local torna-se universal, mesmo.

    5) O nosso Direito, baseado no Direito Romano não acompanhou essas mudanças pois estamos presos a Tratados no GATT, ao Tratado da Áustria (de Direitos Autorais), somos signatários e nossa indústria de propriedade intelectual tem que respeitar os compromissos assumidos e eles costumam ser recíprocos e contém salva-guardas que mantém a hegemonia e pune quem andar fora da linha.

    6)Pra finalizar, vivemos a decepção de um governo que dizia que viria pra mudar e perdeu o rumo: Compactuou com o sistema econômico e não mudou nada. Pior, aparelhou o Estado, sindicalizou a República.
    Quem vai decidir se vai ser PT ou PSDB são os grupos econômicos. O que sair mais em conta pra eles leva a eleição. Eles estão se lixando pra Cultura desde que eles continuem ganhando muito.

    Concluindo: o produtor cultural vai ter que continuar a dar nó em pingo d’água para conseguir algum dinheiro e divulgar o seu evento ou seu produto. E Viva a Diversidade, nunca se produziu tanto para tão poucos, com tão pouco dinheiro e tão escondido. Mas a internet está aí para colocar a cara na vitrine. Quem sabe alguém no Japão, ouve, gosta e contrata para ir até lá fazer um show, uma exposição etc.?

    Obs: Enquanto escrevo, ouço uma rádio maravilhosa na internet, de música brasileira, feita por um português que morou em Santos e ama a MPB. Num site americano (www.live365.com) de rádios gratuitas. A rádio é a Brazil Moods, onde posso ouvir coisas de brasileiros que moram na Europa, clássicos de bossa nova, MPB. Não conheço nada no Brasil com repertório tão eclético e de nível excelente. Santa WEB!

    Abs.

  • leonel mattos, 8 de março de 2010 @ 7:39 Reply

    as coisas na pratica não funcionam ! Editais de 10,000,00 reais para editais de artes plásticas, só dá para gasolina e telefone, obriga a produzir projetos de pequenos portes que não representam nada!
    Leonel Mattos
    artista plástico e curador

  • Leonardo Brant, 8 de março de 2010 @ 9:59 Reply

    O debate é riquíssimo e abre novas janelas. Muitos assuntos que dariam novos artigos e abriria novas discussões. Quero pontuar alguns elementos para melhor compreensão da minha provocação:

    1. o setor de diversidade cultural causa arrepios sim. não porque o tal setor (que continuo sabem qual é) não mereça atenção do estado. pelo contrário, o país precisa pagar a sua dívida centenária com os afrodescendentes e com a população indígena. sim, mas isso não tem nada a ver com diversidade cultural. diversidade tem a ver, prioritariamente, com concentração e controle de informação e seus efeitos (concordo com gil lopes). o resto é reduzir para não enfrentar o real problema. a ancinav pra mim continha uma proposta para a diversidade cultural. enquanto o índio não ocupar o broadcast não haverá diversidade. estou justamente apontando o quanto essa política setorial se esquiva dos reais problemas do brasil para direcioná-las aos nichos.

    2. não acredito em outra função para o estado, no campo da cultura, a não ser o de estimulador e regulador. talvez o de mediador de conflitos. o estado interventor é sempre um desastre. ele sempre muda o curso do rio de maneira artificial, com sua força e sua poder de fogo. depois não dá conta de conduzi-lo para um novo rumo e o rio perde o contato com outros rios e com o mar. precisamos de um estado que respeite o curso do rio, pois ele tem uma história, uma razão de estar ali, daquele jeito, com aquela formação. precisa saber equilibrar a fauna e a flora daquele rio e estimular, abrir caminhos para as novas nascentes. há uma interdependência muito forte entre os diversos aspectos e dimensões da política. Tanto a relação entre indivíduo, grupo e sociedade, quanto dos setores, linguagens e ancestralidades.

    Abs, LB

  • gil lopes, 8 de março de 2010 @ 17:05 Reply

    você está analisando a cultura do ponto de vista liberal?…
    olha que maravilha a pergunta, a preocupação de rotular e patrulhar virou uma mania entre nós, e isso às vezes atrapalha muito, as fronteiras ideológicas podem ser limites e provocar atraso. Tanto de um lado como de outro, o patrulhamento é uma merda.

  • Fábio Rios, 10 de março de 2010 @ 0:52 Reply

    Boa Noite Brant.

    Pensando cá com os meus botões, me lembrei de uma poesia do festivo Oswald de Andrade que diz:

    “Erro de Português”

    Quando o português chegou
    Debaixo duma bruta chuva
    Vestiu o índio
    Que pena!Fosse uma manhã de sol
    O índio tinha despido
    O português

    Ou ainda, até recordando daquela brilhante aula da Professora Lucia de História quando ainda habitava a sétima serie do extinto primeiro grau, ou do então recém abolido ginasial, minha carinhosa memória me leva a uma aula em que ela leu o texto de Pero Vaz de Caminha, sobre o recém “decobrimento”. Lá havia um trecho que dizia:

    “Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como espantados.”

    E ainda, como não? Me resta ir ao dicionário Aurélio, que diz o seguinte sobre diversidade:

    Diversidade
    s.f. Diferença, dessemelhança, variedade: diversidade de objetos. / Divergência, oposição, contradição: diversidade de opiniões.

    Contudo, comparando os dois textos, o de Oswald mais poético, o de Pero Vaz de Caminha estritamente jornalístico ou crônico de viagem e o verbete do indiscutível Aurélio Buarque de Holanda não me restariam dúvidas em afirmar que a diversidade estava no Brasil no momento de seu nascedouro e se perpetuou até o presente momento independente de mídias de “broadcast”, leia-se este conceito como mídias que apenas emitem seu sinal ou conceito e não admitem respostas, basta acessar qualquer livro de fundamentos de Redes que será possível encontrar o mesmo conceito comparado com o termo técnico “Simplex”, já que broadcast não se separa do conceito de redes e vem da tradução do inglês “transmitir” ou “Radiodifusão” por isso restringe-se o conceito para TV e Rádio.

    Espero que um dia o Brasil real, aquele que produz cultura no seu dia a dia na sua forma plena a autêntica em seus motivos espirituais e fundamentais da vida nunca detenham os meios de broadcast, como TV e Rádio, pois estariam tão mortos quanto hoje estão tais veículos. Todavia, a Internet sim, principalmente de banda larga, mas creio que mesmo a obsolescência da Internet IPv4, esta ao qual estamos ligados, não seja empecilho para sonharmos com os índios ligados à Internet2 IPv6, talvez muito mais democrática do que esta.

  • gil lopes, 10 de março de 2010 @ 11:48 Reply

    O retrato da sociedade é importante, mas a política é mais ainda. E porque? Na política vai se estabelecer as prioridades de quem manda, de quem tem o Poder. Política é manifestação de poder. Uma política cultural o que faz? Prioriza o que interessa ao Poder, estabelece as prioridades do que o Poder quer.
    Portanto o que somos e que seremos está condicionado ao que podemos. O que quer e o que pode essa Língua?

  • Elisa Silva, 10 de março de 2010 @ 19:21 Reply

    Então Gil Lopes,
    falemos do Brasil em inglês.

    Seu texto só faltou essa conclusão.

  • gil lopes, 11 de março de 2010 @ 0:51 Reply

    salve Elisa…não entendi seu comentário…

  • leonardo brant » Cultura não é setor | nowdern life, 3 de junho de 2010 @ 14:59 Reply

    […] leonardo brant » Cultura não é setor Posted on março 8, 2010 by renata lemos via culturaemercado.com.br […]

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