Uma análise teórica de Carvalho Lins sobre o que envolve o conceito de Economia Criativa
Ao se forjar a expressão economia criativa, provavelmente, ter-se-ia em mente algo bem definido e delimitado. Algo como aproximar política econômica e arte, visão empresarial e orquestração cultural, em suma, um intercâmbio mais amplo e íntimo entre setores vistos, até então, como completamente dissociados e com raros pontos em comum. Não obstante, a economia criativa ganhou tons mais fortes e firmes, trazendo para si uma carga ideológica sem precedentes tanto quanto ao seu conceito quanto à sua repercussão.
Hoje, a economia criativa responde por um grande número de iniciativas no setor privado, tendo por matriz uma espécie de campo cinzento entre tais manifestações particulares e o apoio governamental.
Podemos, em cima dos mais variados exemplos que perpassam nosso cotidiano, aventar uma dimensão menos nítida e mais especulativa para a idéia de criatividade associada ao mercado, assim como o conhecemos nos nossos dias.
A economia, como pretendem alguns, não se restringe a uma mediação entre trabalhador e o produto do seu trabalho, ou entre os trabalhadores e suas relações intermediadas por uma moeda. Quando tratamos coloquialmente de economia, imediatamente e mecanicamente, nos vem à mente a questão monetária e as intervenções públicas no sentido de tornar este ou aquele país mais sadio e governável em termos de déficit ou superávit comercial. Pois bem, propomos uma inovação nesse status que os cadernos de economia dos maiores jornais do mundo vêm consolidando há décadas: troquemos as páginas de economia com as manchetes do suplemento cultural mas misturemos a tudo isso o conteúdo do carro chefe de alguns periódicos, os eventos e ocorrências cotidianas.
A conclusão a que chegamos é a de que está tudo ostensivamente interligado. O ser humano que produz é o mesmo que freqüenta um clube, visita uma feira ou um museu. Isso nos parece o óbvio ululante à primeira vista, mas nos encontramos de tal modo compartimentados e disciplinados nas nossas atividades diárias que uma simples ortodoxia didática tornou-se um obstáculo à nossa reflexão. Em outras palavras, a economia influencia decisivamente o comportamento social do cidadão e a mediação entre esses dois campos se faz através da cultura. Desta forma, a criatividade, grosso modo, encontra-se vinculada a uma malha normativa de ações e reações em cujo coração situa-se o centro neural de uma sociedade. Em outros termos, podemos dizer que criar é tão vital e substancioso para o ser humano em sociedade quanto respirar! Cria-se de todas as formas, em todos os lugares, por todos os motivos e observem bem, quanto mais caótico o quadro econômico, mais complexas são as associações entre os seres, mais marginalizadas são porções importantes da população, mais estreitos são os corredores culturais, mais premente se faz a incursão de material criativo.
A economia criativa, portanto, compreende uma crença, não apenas metafísica e longínqua, numa possível redistribuição de renda, mas também passa por uma reformulação de uma mentalidade seccionada e alienante para uma postura atuante e engajada. O ser em sociedade é o ente biológico, político, cultural e econômico. É mister reunir-se todas essas forças no objetivo de se construir novos padrões de uma sociedade mais consciente de si mesma.
Quando visitamos um médico não basta que saibamos onde dói, a questão principal é como e de que alimentamos nossas vidas. Da mesma maneira ocorre com o ente social. Há questões que precisam ser equacionadas, uma delas é como obter desenvolvimento de natureza sustentável a partir de empreitadas pouco custosas, isto é, ricas apenas em material humano, porém, este é o ponto onde incomoda, há de se levar em conta a “dieta” e as “práticas organizacionais” erigidas a partir da compleição histórica do ente social. Simplificando, não se deve visar a economia criativa como um abastecedor de esperanças para o setor cultural. A economia criativa é produto, ela mesma, de uma articulação do cidadão, com o expectador, com o trabalhador, com o intelectual, entre muitos outros papéis desempenhados pelo ser em sociedade.
Não se pode esperar a compreensão estática de uma tela para se passar à seguinte, mas empreender uma reflexão dinâmica semelhante ao espaço entre cenas de um filme. Em ambos os casos a criatividade se fez presente, no segundo caso, entretanto, ela não estagnou buscando solucionar um único “vão”, ela trabalhou cerebralmente no intuito de desapegar-se de uma noção meramente particular para uma conexão a título de processo, formado pelo preenchimento de vazios intercambiáveis. Esse mecanismo vem trazer uma maior sensibilidade e espiritualidade à esfera das relações e práticas mercadológicas, através de projeções ideais dentro de parâmetros menos retóricos e mais humanos. Um dínamo que impulsiona a realidade para dentro de si mesma.
Por fim, devemos acrescentar que a economia criativa é apenas um nome. O que realmente importa não é transformar a arte num empreendimento lucrativo, mas e principalmente, trazer um toque artístico a todo e qualquer empreendimento lucrativo. Qualquer forma de trabalho deve ser valorizada à altura de seus nuances artesanais. O eixo deve mudar de um lucro simples e autóctone, para uma humanidade complexa e difusa.
Marcos André Carvalho Lins